É fato sabido que as relações íntimas, conjugais, coabitacionais ou de namoro são, por vezes, pautadas pela presença de algum tipo de disfunção e, não raro, de abuso franco. Existem relações amorosas claudicantes, onde a pessoa que ama não deseja apenas o outro, mas deseja também o desejo do outro, o sentimento do outro e tudo o que possa estar ocorrendo na intimidade psíquica do outro. Diante da impossibilidade de nos apossarmos do sentimento alheio, a pessoa que ama sofre, pois o outro pode não estar sentindo aquilo que se deseja que sinta, pode não estar pensando justamente aquilo que se deseja que pense. Na medida em que as pretensões de controle sobre os sentimentos da pessoa amada não são contidas, não são ponderadamente refreadas, surge uma imperiosa inclinação para a posse, para o domínio da pessoa amada. O abuso no relacionamento interpessoal íntimo tem efeitos danosos marcantes na qualidade de vida, na saúde física e emocional. Tem sido freqüente o comportamento abusivo no relacionamento íntimo, com prevalência variada em diversos países e através de alguns tipos de abuso, como por exemplo, abusos físico, sexual e psicológico. Entre os estudos e reflexões sobre o comportamento abusivo na vida íntima e/ou conjugal existe a teoria da vinculação afetiva na infância, enfatizando o impacto da qualidade das relações familiares e o impacto de eventuais abusos sofridos durante a infância, os quais, por sua vez, interfeririam na qualidade do relacionamento com o companheiro na idade adulta.
O abuso psicológico é um padrão de comunicação, verbal ou não, com a intenção de causar sofrimento psicológico em outra pessoa. Muitas vezes o abuso psicológico é a única forma de abuso entre o casal, talvez por se tratar de uma atitude menos detectada como politicamente incorreta. Em amostra de 1152 mulheres com idades entre 18 e 65 anos, observam que 53,6% relatam alguma forma de abuso (físico, sexual ou psicológico) perpetrado pelo companheiro, sendo que 13,6% reportam especificamente abuso psicológico na ausência dos outros tipos de abuso. O abuso psicológico é, às vezes, tão ou mais prejudicial que o abuso físico, e se caracteriza por rejeição, depreciação, discriminação, humilhação, desrespeito e punições exageradas. Não é um abuso perpetrado predominantemente pelos homens, como é o caso do abuso físico. Ele existe em iguais proporções em homens e mulheres. Trata-se de uma agressão que não deixa marcas corporais visíveis, mas emocionalmente causa cicatrizes indeléveis para toda a vida.
Um tipo comum de abuso psicológico é a que se dá sob a autoria dos comportamentos histéricos, cujo objetivo é mobilizar emocionalmente o outro para satisfazer a necessidade de atenção, carinho e adulação. A intenção do(a) agressor(a) histérico(a) é mobilizar o outro(a) tendo como chamariz alguma doença, alguma dor, algum problema de saúde, enfim, algum estado que exige atenção, cuidado, compreensão e tolerância.
Outra forma de abuso psicológico é fazer o outro se sentir inferior, dependente, culpado ou omisso é um dos tipos de agressão emocional dissimulada mais terríveis. A mais virulenta atitude com esse objetivo é quando o agressor faz tudo corretamente, impecavelmente certinho, não com o propósito de ensinar, mas para mostrar ao outro o tamanho de sua incompetência.
Verifica que 65% dos homens têm comportamentos de abuso verbal ou psicológico com a companheira. Agressões Psicológicas são aquelas que, independentemente do contacto físico, ferem moralmente. A Agressão Psicológica, como nas agressões em geral, depende do agente agressor e do agente agredido. Quando não há intencionalidade agressiva e o agente agredido se sente agredido, independentemente da vontade do agressor, a situação reflete uma sensibilidade exagerada de quem se sente agredido. Havendo intencionalidade do agressor, o mal estar emocional produzido por sua atitude independe da eventual sensibilidade aumentada do agente agredido e outras pessoas submetidas aos mesmos estímulos, se sentiriam agredidas também.
A Agressão Psicológica é especialidade do meio familiar, e muito possivelmente, dos demais relacionamentos íntimos, chegando-se ao requinte de agredir intencionalmente com um falso aspecto de estar fazendo o bem ou de não saber que está agredindo. O simples silêncio pode ser uma agressão violentíssima. Isso ocorre quando algum comentário, uma posição ou opinião é avidamente esperado e a pessoa, por sua vez, se fecha num silêncio sepulcral, dando a impressão politicamente correta de que “não fiz nada, estava caladinho em meu canto…”. Dependendo das circunstâncias e do tom como as coisas são ditas, até um simples “acho que você precisa voltar ao seu psiquiatra” é ofensivo ao extremo, assim como um conselho falsamente fraterno, do tipo “não fique nervoso e não se descontrole”.
Não é o freqüente, no relacionamento íntimo, a agressão sem intencionalidade de agredir, ou seja, a agressão que é sentida pelo agente agredido, independentemente da vontade do agressor. Normalmente, pelo fato da família ser um grupo onde seus membros têm pleno conhecimento da sensibilidade dos demais, mesmo que a situação de agressão refletisse uma sensibilidade exagerada de quem se sente agredido, o agressor não-intencional deveria ter plena noção das conseqüências de seus atos. Portanto, argumentar que “não sabia que você era tão sensível” é uma justificativa hipócrita. As atitudes agressivas refletem a necessidade de uma pessoa produzir alguma reação negativa em outra, despertar alguma emoção desagradável. As razões dessa necessidade são variadíssimas e dependem muito da dinâmica própria de cada família. Podem refletir sentimentos de mágoa e frustrações antigas ou atuais, podem refletir a necessidade de solidariedade emocional não correspondida (estou mal logo, todos devem ficar mal), podem representar a necessidade de sentir-se importante na proporção em que é capaz de mobilizar emoções no outro…. enfim, cada caso é um caso. Nas relações humanas, sobretudo na vida conjugal, observam-se comportamentos variados. Inicialmente, se evidencia o poder do envolvimento e o êxtase exercido pela atração das partes que se conhecem. Escolhemos os nossos pares pelo comportamento aparente. E, aquilo que queremos para nós, depositamos nesse outro. Durante o período de namoro não nos permitimos ver, realmente, quem ele é. Com a chegada da rotina no relacionamento torna-se possível conhecer a pessoa como ela é de verdade. Então, começam a surgir os problemas, haja vista o fato de iniciar-se uma intolerância com relação aos defeitos do outro.
Teoria da Vinculação
Embora as causas do abuso com o companheiro se devam a uma grande diversidade de circunstâncias, merece um destaque muito especial a Teoria da Vinculação. Estudos empíricos sobre a importância da Teoria do Vínculo nos relacionamentos íntimos mostram que crianças traumatizadas, maltratadas, abusadas, abandonadas, ou seja, com prejuízo na formação do Vínculo Afetivo durante a infância apresentam, com freqüência, modelos inseguros de representação da realidade na idade adulta, com conseqüentes dificuldades no relacionamento íntimo. No futuro essas pessoas são, com mais freqüência, vítimas ou perpetradores de maus tratos nas relações interpessoais com as pessoas significativas. Além disso, através dessa Teoria do Vínculo, a pessoa vítima de maus tratos durante a infância constrói padrões inseguros de vinculação no relacionamento íntimo na idade adulta. Tem início na gestação e continua através das interações que vão ocorrendo posteriormente. Bee (1997) relata que o contato imediato após o parto parece aprofundar a capacidade de a mãe (e talvez também do pai) responder em relação ao bebê. Alguns psicólogos acreditam que a capacidade de formação de vínculo social é resultado da maturação e que deve ocorrer algum relacionamento logo no início da vida da criança se quiser que esta seja capaz de, mais tarde, formar vínculos significativos.
Estudos de Bowlby (1990) e Hoffman, Paris e Hall (1996) sobre o vínculo entre mãe e filho ressaltam a importância desta dinâmica afetiva. Eles descrevem que essa ligação faz parte de um sistema comportamental cuja serventia esta ligada à preservação da espécie. Tal relação se deve ao fato de os bebês serem indefesos e incapazes de sobreviver sozinhos, então o apego entre o bebê e o seu cuidador viabiliza uma garantia de preservação. Muitos obstáculos nas relações humanas estão ligados a esta precariedade do Vínculo Afetivo. O casal não consegue perceber este tipo de deficiência em seu relacionamento. Focaliza os problemas em outras questões, ou ainda, prefere nem tocar no assunto. Há casos em que ignora a possibilidade de lançar mão de uma psicoterapia. E, existem situações em que a resistência impera. Fato comum é dizer que não se precisa de tratamento algum, pois que as dificuldades são de outra ordem. Todavia, perde-se a chance de resolver na causa os efeitos de uma convivência difícil.
A Teoria do Vinculo Afetivo ou da vinculação foca-se na emergência e desenvolvimento dos “modelos” adquiridos durante o desenvolvimento infantil e no papel que tais modelos desempenham nas relações interpessoais futuras, ao longo do ciclo de vida. Acredita-se que as experiências vividas nos primeiros (seis) anos de vida são muito importantes para a construção do *self e na estruturação do mesmo. Esses modelos internos construídos durante o desenvolvimento precoce se manifestarão nas futuras relações interpessoais íntimas e estabelecidas na idade adulta.
*Para Jung, o Self não é apenas o centro, mas também toda a circunferência que abarca tanto o consciente quanto o inconsciente, ele é o centro desta totalidade, tal como o Ego é o centro da consciência. O Self é um fator interno de orientação, muito diferente e até mesmo estranho ao Ego e à consciência. Ele pode, de início, aparecer em sonhos como uma imagem significante, um ponto ou uma sujeira de mosca, pelo fato do Self ser bem pouco familiar e pouco desenvolvido na maioria das pessoas. O desenvolvimento do Self não significa que o Ego seja dissolvido. Este último continua sendo o centro da consciência, mas agora ele é vinculado ao Self como conseqüência de um longo e árduo processo de compreensão e aceitação de nossos processos inconscientes. O Ego já não parece mais o centro da personalidade, mas uma das inúmeras estruturas dentro da psique. O Self é, com freqüência, figurado em sonhos ou imagens de forma impessoal, como um círculo, mandala, cristal ou pedra, ou de forma pessoal como um casal real, uma criança divina, ou na forma de outro símbolo de divindade. Todos estes são símbolos da totalidade, unificação, reconciliação de polaridades, ou equilíbrio dinâmico, os objetivos do processo de Individuação.
Decorrente das experiências e dos padrões de interação com as figuras significativas durante a infância, cada pessoa, possivelmente, constrói modelos internos e dinâmicos que servirão de guia do comportamento e das atitudes futuras, notadamente do comportamento interpessoal. Também, de acordo ainda com esses modelos internos dinâmicos resultantes do vínculo estabelecido durante o desenvolvimento precoce da personalidade, a pessoa estabelece suas expectativas particulares sobre o que pode esperar de si própria e dos outros, sobre o que o outro deve corresponder, retribuir, se comportar… principalmente desse outro íntimo, ou seja, das figuras de vinculação afetiva que surgirão ao longo da vida. Há casos em que ignora a possibilidade de lançar mão de uma psicoterapia. E, existem situações em que a resistência impera. Fato comum é dizer que não se precisa de tratamento algum, pois que as dificuldades são de outra ordem. Todavia, perde-se a chance de resolver na causa os efeitos de uma convivência difícil.
Ao observar os conceitos sobre o Vínculo Afetivo, bem como as suas implicações no ser humano, é possível prospectar formas favoráveis e desfavoráveis de relacionamento ao longo da vida. Se a formação da personalidade de uma pessoa contar com a existência de um vínculo precário, torna-se incompatível a existência de um relacionamento conjugal. Em relatos clínicos obtêm-se históricos onde o marido ou a esposa não tiveram essa formação vincular positiva com os seus pais. Posteriormente, na vida a dois, encontram dificuldades em manter o relacionamento por falta desta condição vincular. Uma das disfunções no relacionamento íntimo decorrente da precariedade do Vínculo Afetivo pode ser chamada de Síndrome do Comportamento de Hospedagem. Neste novo tipo de comportamento abusivo a pessoa age, inconscientemente, de forma semelhante a um hóspede dentro de sua própria casa. Realiza as suas atividades de maneira formal, impessoal e, aparentemente, desprovidas de alguma tonalidade afetiva, mantendo nesses padrões a comunicação e os hábitos rotineiros, inclusive os financeiros.
Nesta forma polida e até politicamente correta de agredir ao outro se nota uma certa frieza e um distanciamento formal. Aos poucos vai agindo como se fosse alguém que está hospedado na casa, cumprindo com alguns papéis pertinentes, todavia, trata as questões, antes emocionalmente importantes de forma racional, formal e independente. Normalmente deixa as responsabilidades, sobretudo as domésticas, para o outro cuidar. Onde havia uma atmosfera de cordialidade e doçura, passa a existir um espectro de isolamento e pesar. O outro vai percebendo, sensivelmente, as diferenças no tratamento recebido e acaba por se sentir, pouco a pouco, só. A sensação deste isolamento origina-se na forma pela qual a ausência do vínculo se manifesta nesta relação. Quanto às uniões conjugais dos padrões Vínculo Afetivo “seguro” com “inseguros”, estudos desenvolvidos no ambiente conjugal mostram que pessoas adultas com padrão de vinculação “seguro” tendem a juntar-se com companheiros(as) também “seguros(as)”. Entretanto, algumas teorias argumentam que a união íntima “seguro/inseguro” poderá funcionar como “amortecedora” da ação maltratante por parte do companheiro(a) inseguro(a).
Contribuem para a qualidade do relacionamento íntimo com o companheiro um conjunto de circunstâncias; sejam de natureza pessoal, comportamental, e sociocultural. O tipo de relacionamento mantido com os pais durante a infância tem um importante papel na formação do Vínculo Afetivo e implicações no desenvolvimento de modelos íntimos e dinâmicos de comportamento e atitude afetiva diante da vida de relações, bem como em certas estruturas neuroanatômicas, as quais interferem significativamente no relacionamento interpessoal futuro. As relações abusivas durante a infância se associam à formação de vínculos “inseguros”, perpetuando maneiras alteradas de relacionamento, normalmente também abusivas em diversas circunstâncias de vida, notadamente no relacionamento íntimo. O efeito da qualidade das relações interpessoais íntimas na saúde das pessoas tem sido cada vez mais estudado. A presença de relações interpessoais íntimas positivas traz benefícios para a saúde geral das pessoas, especialmente atenuam as diversas adversidades da vida.